Há uma convergência de interesses para descarbonizar economia, energias renováveis vieram para ficar, e país precisa repensar estrutura de sua matriz energética de forma sustentável
Chegando ao fim de 2020, ano em que o planeta foi obrigado a se reinventar, vale reflexão exclusiva para o Brasil. Dentre as lições aprendidas com a pandemia a redescoberta da importância da ciência e da tecnologia, assim como a estratégia de combater a crise econômica com energia. Sem trocadilho. O mundo viu nos investimentos em geração limpa um modo sustentável de lutar contra o desemprego e equilibrar a equação da economia. Para o Brasil, a energia da virada.
Afinal, segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), o setor solar gerou 210 mil empregos desde 2012. Geração solar flutuante, produção de hidrogênio verde e novos caminhos na geração podem representar o fim do velho discurso que coloca em São Pedro a responsabilidade pela segurança energética do nosso país continental.
Exemplo de como fazer isso não falta. A Alemanha investirá € 9 bilhões nos próximos cinco anos. O governo português lançou em julho um arrojado plano de investimento de € 1 bilhão – em pleno impacto da pandemia do coronavírus – para produção do hidrogênio verde e apareceram 75 projetos totalizando € 17 bilhões. A Europa precisa instalar 3.350 GW de fontes renováveis para atingir metas até 2050.
Em lugar de importar US$ 250 milhões em amônia e nitrato de amônia, o Brasil poderia produzir, exportar e crescer de forma sustentável no negócio do hidrogênio verde. Países como a Alemanha não dispõem de condições para produzir o que vão necessitar para cumprir as metas de 80% da matriz exclusiva até 2050. Portugal e Espanha têm área para explorar, e os demais países miram no Norte da África e no Oriente Médio. Estudos e pesquisas para desenvolvimento de estratégias de transporte precisam avançar com urgência. Já se pensa em logística de exportação como Amônia ou via Etanol para produzir Hidrogênio Verde no destino. Podemos entrar nessa rota.
No início deste ano, duas empresas privadas se uniram a convite do governo de São Paulo para instalar em tempo recorde – dois meses e meio – projeto piloto de geração solar flutuante na Represa Billings. Seis meses depois de implantarem placas fotovoltaicas e flutuadores fabricados no Brasil na lâmina d’água com capacidade de 100 KWp, a Emae anunciou chamada pública para plantas de geração com potência de 1 MWp a 30 MWp na represa.
Projetos similares no país mostram ser possível ampliar a capacidade de forma sustentável e eficiente. A Agência Aneel deu grande passo ao abrir a consulta pública nº 061/2020 para debater normatização para usinas híbridas e associadas. O documento admite ganhos de eficiência para o sistema elétrico a partir da complementaridade da geração e otimização do uso da rede, traz boas notícias para o consumidor porque aposta em queda no valor das tarifas a partir da redução no custo dos investimentos e já recebeu as contribuições de agentes do setor. Expandir hibridização constitui perspectiva animadora quando quase 65% da matriz energética nacional é de hidrelétricas.
Não precisamos da ajuda de São Pedro, mas de investimento em energia renovável e de superar o velho discurso desconhecedor das novas tecnologias e seus benefícios. Os reservatórios, condição para expandir a geração via painéis solares flutuantes como no caso da Billings, já existem em gigantesca escala. Estudo recente da Michigan State University aponta ociosidade de 12 GW nas usinas do Norte do Brasil, que podem facilmente ser atendidas com geração solar flutuante.
Mais: placas fotovoltaicas sobre a lâmina d’água limitam evaporação em 70% na área coberta e inibem proliferação de algas. E ainda o impacto social positivo: cada MW implantado, além de energia, gera em média 25 vagas diretas. Em 10 anos, a atividade atrairia R$ 76 bilhões em investimentos no Brasil, ampliaria a capacidade instalada atual de 109 GW para 128 GW e geraria 475 mil novos empregos.
A combinação hidrelétrica e painéis flutuantes permite aumentar a garantia física das usinas como também a produção de hidrogênio verde. Com uma equação dessas, para o Brasil, a chance de ocupar posição de destaque no mercado mundial é esta. Mesmo sendo questão de tempo – a nova economia mundial exigirá energia limpa –, o Brasil precisa virar o jogo.
Em movimento disruptivo, o setor elétrico passa por mudanças extraordinárias e não podemos insistir em modelo de 50 anos atrás ainda focado só nas hidrelétricas e nas usinas térmicas movidas a combustíveis fósseis como fontes principais. Vivemos uma revolução e transição no setor de energia que impactará diversos setores da economia, especialmente pós-vacina, quando haverá a retomada. Quem não quiser entender vai ficar para trás ou desaparecer.
Há uma convergência de interesses para descarbonizar a economia, as energias renováveis vieram para ficar, e o país precisa repensar a estrutura de sua matriz energética de forma sustentável. A base será energia limpa via hibridização.
Luiz Piauhylino Filho é advogado especialista em Legislação Internacional e sócio-diretor da Sunlution